Os Desafios da Cidade: Observatório das Metrópoles mapeia a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)
Autora: Lívia Arcanjo
Com o fim do Ciclo do Ouro, em meados do século XVIII, Vila Rica – atual Ouro Preto – já não apresentava mais um desenvolvimento urbano correspondente a uma capital estatual: a economia em declínio e o relevo muito acidentado, que dificultava a sua ocupação, revelaram a necessidade de migrar a capital de Minas Gerais para outra localidade, o que foi determinado pelo então governador, Augusto de Lima, em 1983. O local escolhido, entre cinco opções, foi Arraial do Curral d’El Rey, na região central do Estado. A apenas cem quilômetros de distância de Vila Rica, o que facilitava a mudança, o Arraial apresentava boas condições ambientais, como clima ameno devido a altitude de 800 metros e uma rica bacia hidrográfica. O engenheiro Aarão Reis foi o responsável por projetar a nova capital, inspirando-se nas mais modernas cidades do mundo à época, como Paris e Washington. Assim, em 12 de dezembro de 1897, surgia a primeira a cidade planejada do Brasil: a Cidade de Minas. Quatro anos após a sua inauguração, em 1901, a cidade mudava de nome e de status. Belo Horizonte passava a ser a nova capital de Minas Gerais.
No processo de planejamento da nova capital, a projeção era que ela abrigaria, até 2000, cerca de cem mil habitantes. 127 anos após a sua inauguração, Belo Horizonte se tornou o sexto município mais populoso do país. De acordo com o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022, 2.315.560 pessoas habitando uma extensão territorial de 331,401 quilômetros quadrados, dividida em 487 bairros, agrupados em nove regiões administrativas. Isso significa uma densidade demográfica de 6.988,18 habitante por quilômetro quadrado.
O projeto idealizado por Aarão Reis de manter a cidade dentro dos limites da Avenida do Contorno não se concretizou. Quanto mais a população aumentava, mais o território se expandia, ocupando as cidades vizinhas e originando um processo de conurbação urbana. Desse modo, em 1973, foi instituída a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que atualmente é composta por 34 municípios, e é a terceira maior região metropolitana do país abrigando 5.733.783 habitantes, de acordo com o último Censo Demográfico. Esse crescimento desordenado, em um curto período de tempo, trouxe problemas. Gentrificação e favelização são apenas alguns desafios da 60ª maior aglomeração urbana do mundo. Problemas esses que são comuns à maioria das metrópoles brasileiras.
Apesar da diversidade geográfica, de distintos momentos históricos de formação das regiões metropolitanas e dos diferentes arranjos entre as forças que agem sobre o território – Estado, capital imobiliário e movimentos da sociedade civil – há um aspecto comum entre essas regiões metropolitanas: a urbanização acelerada, durante as décadas de 1950 a 1970, sem a contrapartida de uma política habitacional para aqueles que chegavam às cidades em busca de emprego. “O resultado pode ser sentido até agora: uma ordem social muito desigual, na qual aos mais pobres coube, como local de moradia, as periferias distantes e precárias e as favelas. Já os grupos de mais alta renda ocuparam as áreas centrais mais bem dotadas de infraestrutura. Resultado, em grande parte, do desinteresse em implementar uma gestão metropolitana que de fato defendesse os interesses dos que mais precisavam da cidade naquele momento”, analisa a Profa. Dra. Luciana Teixeira de Andrade, docente do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas.
Para a coordenadora do Comitê de Pesquisa CP-28 Sociologia Urbana da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e participante da Câmara de Ciências Humanas, Sociais e Educação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Belo Horizonte é considerada, em relação à estrutura socio-ocupacional, uma síntese das várias regiões metropolitanas contempladas na coletânea. “É uma das regiões metropolitanas mais desiguais do país. Essa desigualdade não é apenas de renda, mas de carência de vários bens e serviços, como habitação, emprego, regulação ambiental, transporte, entre outros”, observa Luciana.
Ela foi uma das organizadoras do livro sobre Belo Horizonte da coletânea Reforma urbana e direito à cidade, lançada pelo Observatório das Metrópoles, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) sobre os desafios metropolitanos. São 17 livros: um nacional, intitulado Questões, desafios e caminhos, e outros 16 sobre as regiões metropolitanas de Aracaju, Baixada Santista, Belém, Belo Horizonte, Campina Grande e João Pessoa, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Maringá, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória.
A obra, lançada em 2022, reúne artigos de 50 autores – seis deles da PUC Minas – e tem a expectativa de interferir no debate nacional e regional do direito à cidade. “A ideia que nos guiou foi a de que os artigos pudessem ser lidos por públicos mais amplos que o universitário. Para isso, promovemos debates com especialistas em divulgação científica, assim como nos dedicamos a compreender, por meio e leituras e do exercício da escrita, como ir além do espaço no qual transitamos há muitos anos, a academia”, explica Luciana.
A obra se divide em quatro partes. A primeira, Como está a metrópole, busca fornecer um panorama da situação metropolitana nos aspectos econômicos, habitacionais, da segregação, mobilidade urbana e do direito à cidade. A segunda parte, denominada Como e para quem se governa, trata da gestão metropolitana, em particular da sua atual crise. A terceira, Disputas e avanços na construção da Reforma Urbana na RMBH, aborda os processos que levaram à aprovação do Plano Diretor de BH, do Plano Metropolitano e da urbanização de favelas. A última parte, Reivindicações e lutas urbanas na RMBH, apresenta várias dimensões dos atuais movimentos populares na cidade, além das diretrizes e demandas resultantes do III Fórum de Desenvolvimento Metropolitano, realizado em setembro de 2022.
Ao final de cada artigo, os autores refletiram, por meio de proposições, sobre o que pode ser feito em cada área. “As cidades vêm se tornando, cada vez mais, um objeto de especulação e de fonte de ganhos para quem já tem muitos direitos, como aqueles que já foram classificados como os detentores de uma hipercidadania. Retomar o seu sentido social, de lugar para uma vida digna para todos nos parece essencial. O Brasil, como é de conhecimento geral, é um dos países mais desiguais do mundo. Essa desigualdade se dá também no plano urbano. Mostrar essas desigualdades e as formas de enfrentá-la, tem sido um dos objetivos centrais do Observatório das Metrópoles”, afirma Luciana.
O livro, disponibilizado gratuitamente no site do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópoles, já contabilizou cerca de dois mil downloads. Por meio de uma emenda parlamentar, foram feitas 300 cópias físicas com distribuição gratuita para bibliotecas de instituições de ensino, comunitárias e de associações. “O nosso papel é fazer chegar aos mais interessados os conhecimentos que produzimos”, justifica a cientista social.
OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES
Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) são 101 centros de pesquisa multicêntricos brasileiros. O programa é conduzido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e diversas fundações de amparo à pesquisa estaduais.
O Observatório das Metrópoles é um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) que trabalha de forma sistemática e articulada sobre os desafios metropolitanos colocados ao desenvolvimento nacional, tendo como referência a compreensão das mudanças das relações entre sociedade, economia, Estado e os territórios conformados pelas grandes aglomerações urbanas brasileiras. Atualmente, a equipe do INCT Observatório das Metrópoles é composta por cerca de 400 pesquisadores vinculados a instituições de ensino superior, distribuídos pelos 18 núcleos regionais da rede.
NÚCLEO RMBH
Atualmente, o Núcleo RMBH é composto por 15 pesquisadores principais, 12 colaboradores e 28 associados, com profissionais de diversas áreas, como Arquitetura e Urbanismo, Ciências Sociais, Comunicação, Demografia, Direito, Economia, Serviço Social, Engenharia e Geografia, de diversas instituições de ensino, como PUC Minas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e Fundação João Pinheiro (FJP). “A riqueza dessa experiência é a de juntar contribuições e os olhares de diferentes áreas. Isso não é algo muito comum no Brasil”, afirma Luciana Teixeira de Andrade, que participa do Núcleo RMBH há mais de 20 anos, dos quais foi coordenadora por oito.
O Núcleo desenvolve estudos em torno das linhas de pesquisa do projeto nacional: Metropolização e desenvolvimento urbano: dinâmicas, escalas e estratégias, que trabalha a organização do espaço urbano-metropolitano, economia e desenvolvimento regional; Direito à cidade na metrópole: bem-estar urbano e oportunidades, que estuda temas como habitação e mercado imobiliário, regulação ambiental, conflitos e transformações urbanas; Direito à cidade, cidadania e governança urbana, que estuda parcerias público-privadas, operações urbanas consorciadas, fiscalidade dos municípios metropolitanos, cultura político-eleitoral e indicadores de orientações de políticas públicas dos municípios; e Estratégias metropolitanas e o desenvolvimento urbano, que promove fóruns locais sobre as metrópoles e o desenvolvimento urbano.
Além das pesquisas e publicações, o Núcleo promove o Curso de Formação de Ativistas e Agentes Sociais (CFAS), que consiste na realização de oficinas itinerantes para identificar e debater novas práticas sociais nos territórios populares da RMBH, aspirando fomentar a criação de redes de apoio e discussão em torno dos desafios atuais que permeiam a luta pela reforma urbana e pelo direito à cidade no cotidiano de movimentos sociais, coletivos, associações comunitárias e grupos periféricos. “As temáticas das oficinas, realizadas no segundo semestre de 2023, foram desenvolvidas junto às diversas lideranças. Pretende-se reunir esforços para propor, de forma compartilhada, ações e políticas públicas alinhadas aos desafios atuais da metrópole. Nossa abordagem, portanto, estabelece diálogo entre saberes científicos e os saberes construídos nas periferias, conciliando extensão e pesquisa”, explica Luciana.
Reprodução: Revista Puc Minas.
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TIAGO MARQUES LEITE